<font color=0093dd>A propósito do regime democrático e do significado da Constituição da República Portuguesa</font>

1. A de­mo­cracia por­tu­guesa, fus­ti­gada por mais de três dé­cadas e meia de po­lí­ticas de di­reita e pela in­ten­si­fi­cação da ofen­siva do grande ca­pital na­ci­onal e trans­na­ci­onal contra os di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias con­quis­tados pelo povo por­tu­guês com a Re­vo­lução de Abril, en­frenta hoje novos e mais in­qui­e­tantes pe­rigos. Uma ofen­siva di­ri­gida contra os seus ele­mentos mais avan­çados e pro­gres­sistas, sus­ten­tada numa linha de con­ti­nuado con­fronto e vi­o­lação da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica e que pro­cura hoje no pacto de agressão novos pre­textos para a des­res­peitar, em­po­brecer a de­mo­cracia e des­ca­rac­te­rizar o re­gime de­mo­crá­tico.

As Teses – no que res­peita à ava­li­ação do re­gime de­mo­crá­tico – partem de uma con­si­de­ração es­sen­cial: a de que apesar de mu­ti­lado e em­po­bre­cido, não só não pode ser de­cla­rado li­qui­dado como com­porta ele­mentos que têm e devem ser afir­mados na luta pela rup­tura com a po­lí­tica de di­reita e em de­fesa dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e do povo.

Quando fa­lamos de re­gime de­mo­crá­tico fa­zemo-lo na sua di­mensão sócio-eco­nó­mica, na di­mensão de re­gime po­lí­tico, na di­mensão de so­be­rania.

Re­gime po­lí­tico e sis­tema sócio-eco­nó­mico não são, ob­vi­a­mente, si­nó­nimos. Sem dú­vida que o re­gime sócio-eco­nó­mico é o do do­mínio do ca­pital mo­no­po­lista, um do­mínio que se es­tende a todas as es­feras e ex­pres­sões do re­gime. Como também não resta dú­vida que esse do­mínio e as al­te­ra­ções na es­tru­tura sócio-eco­nó­mica que lhe está as­so­ciado não têm pouca in­fluência no plano do re­gime po­lí­tico, no em­po­bre­ci­mento da vida de­mo­crá­tica, na res­trição de li­ber­dades e na li­qui­dação de di­reitos.

Mas o re­gime de­mo­crá­tico in­cor­pora também para lá da di­mensão sócio-eco­nó­mica (que em úl­timo caso se re­ve­lará de­ter­mi­nante), um re­gime cons­ti­tu­ci­o­nal­mente con­sa­grado de am­plas li­ber­dades e di­reitos e de um sis­tema de poder ori­ginal.

2. A ava­li­ação feita no XVIII Con­gresso sobre o re­gime po­lí­tico e de­mo­crá­tico «po­li­ti­ca­mente em­po­bre­cido e des­fi­gu­rado, am­pu­tado na sua di­mensão so­cial e eco­nó­mica ori­ginal, cres­cen­te­mente as­fi­xiado pelos in­te­resses do grande ca­pital» con­serva ine­gável ac­tu­a­li­dade. Ao que se acres­cen­tava: «a vida po­lí­tica e de­mo­crá­tica apre­senta-se cres­cen­te­mente re­du­zida à di­mensão formal das de­mo­cra­cias bur­guesas... bem dis­tante do re­gime de­mo­crá­tico que a Re­vo­lução ori­ginou e a CRP con­sa­grou».

Pode-se afirmar que esta apre­ci­ação e ava­li­ação no fun­da­mental se con­firma e se mantém ac­tual.

Mas isso não dis­pensa que se exa­mine a sua evo­lução nos úl­timos quatro anos, as novas ame­aças que sobre ele pendem, e ana­lisar em que ponto nos en­con­tramos do re­gime de­mo­crá­tico ob­ser­vado pelo ân­gulo das suas ca­rac­te­rís­ticas fun­da­men­tais.

Nas Teses agora sub­me­tidas a de­bate nas or­ga­ni­za­ções do Par­tido adi­anta-se que na ava­li­ação do re­gime de­mo­crá­tico e da sua evo­lução devem ser le­vados em linha de conta quatro ele­mentos pre­va­le­centes que marcam, ainda que em sen­tido con­tra­di­tório, a sua ex­pressão e pers­pec­tivas. Um pri­meiro, o per­ma­nente e cres­cente con­flito entre a na­tu­reza e ca­rac­te­rís­ticas do re­gime de­mo­crá­tico pre­sente no seu en­qua­dra­mento cons­ti­tu­ci­onal, por um lado, e o des­res­peito e vi­o­lação im­postos pelas ori­en­ta­ções e prá­tica po­lí­ticas as­su­midas pelos prin­ci­pais ór­gãos de so­be­rania. Uma se­gunda, a evo­lução ne­ga­tiva da re­lação entre as ca­rac­te­rís­ticas e a na­tu­reza pro­gres­sista do re­gime de­mo­crá­tico por um lado e, por outro, as pro­fundas al­te­ra­ções no sis­tema sócio-eco­nó­mico num sen­tido de pre­va­lência quase ab­so­luta do poder do ca­pital mo­no­po­lista sobre todas as es­feras e ex­pres­sões do re­gime de­mo­crá­tico. Uma ter­ceira, a cada vez mais formal ex­pressão de­mo­crá­tica do re­gime no quadro de uma di­nâ­mica cres­cente da ex­pressão de traços au­to­ri­tá­rios e de am­pu­tação de di­reitos li­ber­dades e ga­ran­tias di­tadas pelo poder e in­te­resses do grande ca­pital na­ci­onal e trans­na­ci­onal e das forças po­lí­ticas que o servem. E fi­nal­mente, a ex­pressão formal e não formal que o pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista e a perda de so­be­rania estão a as­sumir no re­gime po­lí­tico e de­mo­crá­tico e no seu en­qua­dra­mento cons­ti­tu­ci­onal.

Na ob­ser­vação e ava­li­ação ao re­gime de­mo­crá­tico têm de estar pre­sentes fac­tores de na­tu­reza e di­nâ­mica con­tra­di­tó­rias em ar­ru­mação, de­sig­na­da­mente os que de­cor­rendo da ex­tensão das mu­ti­la­ções, per­ver­sões e des­truição de ele­mentos do que se de­fine como re­gime de­mo­crá­tico con­vivem com ele­mentos de di­mensão de­mo­crá­tica que per­duram nos vá­rios do­mí­nios da vida na­ci­onal e com o valor que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa mantém e com o que isso cons­titui en­quanto re­fe­rência e pro­jecção para o pre­sente e fu­turo dos va­lores de Abril.

3. A questão que se co­loca, en­tre­tanto, na ava­li­ação do re­gime de­mo­crá­tico e po­lí­tico é a de saber se o con­si­de­ramos en­quanto re­a­li­dade em mo­vi­mento, como pro­cesso não aca­bado e a evo­luir em sen­tido ne­ga­tivo (onde entre os múl­ti­plos fac­tores que o de­ter­minam se en­contra a luta dos tra­ba­lha­dores), ou se o de­cla­ramos ex­tinto e li­qui­dado sem qual­quer valor que possa ser in­vo­cado em favor da luta que tra­vamos.

Afas­tando lei­turas de­ter­mi­nadas por vi­sões ab­so­lu­tistas que a com­ple­xi­dade da si­tu­ação e a mul­ti­pli­ci­dade de fac­tores em pre­sença não ad­mitem, a re­a­li­dade re­vela, sem pre­juízo dos muitos ele­mentos con­tra­di­tó­rios, que per­sistem na vida po­lí­tica na­ci­onal ele­mentos in­se­pa­rá­veis das pro­fundas trans­for­ma­ções pro­gres­sistas al­can­çadas com o 25 de Abril e que esses ele­mentos cons­ti­tuem não só re­fe­rên­cias mas fac­tores ob­jec­tivos de ine­gável im­por­tância para a luta em de­fesa dos tra­ba­lha­dores e dos seus di­reitos. A par da justa con­si­de­ração que fa­zemos do valor da Cons­ti­tuição en­quanto ele­mento não só de con­di­ci­o­na­mento da ofen­siva mas também como ele­mento que pode ser in­vo­cado a favor da le­gi­ti­mi­dade da luta dos tra­ba­lha­dores e do povo, co­lo­cando os que pre­tendem ig­norar ou de­clarar a inu­ti­li­dade do texto cons­ti­tu­ci­onal ob­jec­ti­va­mente fora da lei. Os mais re­centes de­sen­vol­vi­mentos des­po­le­tados pela ideia de uma «re­fun­dação do me­mo­rando», que é tão só a ins­crição como ob­jec­tivo do grande ca­pital da sub­versão da ordem cons­ti­tu­ci­onal, re­velam quanto a Cons­ti­tuição com­porta de obs­tá­culo real aos seus pro­jectos e am­bi­ções.

A Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa com­porta prin­cí­pios e dis­po­si­ções sus­cep­tí­veis de serem in­vo­cados não só em de­fesa dos di­reitos mas também para, no seu quadro, su­portar op­ções de de­sen­vol­vi­mento so­be­rano e as­se­gurar que um go­verno e uma po­lí­tica pa­trió­ticos e de es­querda possam re­tomar so­lu­ções e pers­pec­tivas de di­mensão de­mo­crá­tica e de pro­gresso so­cial.

4. Apro­fundar a ca­rac­te­ri­zação do re­gime po­lí­tico e de­mo­crá­tico, a sua evo­lução e ten­dên­cias, a ex­pressão que as­sume e as ame­aças que sobre ele pende é este o sen­tido que o XIX Con­gresso deve ser cha­mado a con­tri­buir para a sua ava­li­ação. Uma ava­li­ação que par­tindo da ideia cen­tral ex­pressa nas Teses de que «tal como o pro­cesso contra-re­vo­lu­ci­o­nário não está con­cluído também o re­gime de­mo­crá­tico não pode ser con­si­de­rado ex­tinto e a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica de­cla­rada inútil como pre­tendem os pro­mo­tores da po­lí­tica de di­reita» se di­rige à mo­bi­li­zação de ener­gias e de­ter­mi­nação para o afirmar e de­fender quando sobre ele pairam novas e sé­rias ame­aças.

Este texto é pu­bli­cado no âm­bito do con­tri­buto para o de­bate dos do­cu­mentos apro­vados pelo Co­mité Cen­tral para dis­cussão pre­pa­ra­tória do XIX Con­gresso em todo o Par­tido.

 



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